Sexta-feira, 17 de Março de 2000 (Cont.)
Não podia deixar de vos contar as minhas
aventuras, enquanto elas ainda estão frescas e bem visíveis
na minha memória. É engraçado, como olhando
para as crónicas todas que vos escrevi parece que já passou
tanto tempo desde que eu cheguei aos Estados Unidos da América.
No entanto, ao mesmo tempo parece que cheguei apenas ontem e que
ainda falta tanto tempo. Surpreendente a quantidade de coisas que
eu hoje não me lembraria de vos contar, se voltasse a tentar
escrever as crónicas dos primeiros dias... A vida era dura
naquela altura. Melhorou, mas ainda não é fácil... Apesar
de parecer.
Pois bem. Às 15h30m fui ver se o Ken estava
pronto para irmos velejar, como tinha ficado combinado. Mas, ele
estava ocupado com o Dave Hinkle. Eu não sei se já falei
no Dave Hinkle, mas é a personagem mais nonsense naquela
empresa. Imaginem alguém que foi deixando crescer o cabelo
conforme ia ficando mais careca e com cabelos brancos. Tem um cabelo
branco e volumoso pelos ombros e que nasce a partir da nuca... A
testa dele vai mais ou menos até à parte de trás
da cabeça. Para melhorar a imagem, tem um nariz digno de
um verdadeiro judeu e tem um sotaque do Texas, ou coisa que pareça... Parece
que está a mascar tabaco. Além disso é dos
poucos que fuma, trabalha e tem cultura naquela empresa, apesar
de ser um bocado mal educado e bruto. Eu não se estão
a ver a caricatura do Albert Einstein, pois é ele, mas mais
magro e de calças de ganga.
Uma hora mais tarde, o Ken, entra pelo meu gabinete
a perguntar o que é que estávamos ali ainda a fazer.
Ele teve a semana toda em Detroit e estava com saudades do mar.
Metemos a minha bicicleta no jipe, passámos
pelo correio (ele tem um cacifo lá) e fomos comprar o jantar
a um supermercado ali em Sausalito, com muito bom aspecto...
Entramos no barco às 17h e às 17h15m
estávamos a sair da marina. A velocidade com que se desmontaram
as cobertas e se largou de terra, esteve próxima da do recorde
estabelecido com uma tripulação de 6 pessoas.
Andámos a motor e içámos as
velas quando nos aproximámos da Golden Gate. Estávamos
a velejar a sul direitos a San Francisco, com o vento a vir de
Norte-Noroeste. Virámos à ponte, quando nos aproximámos
da costa e fomos direitos ao sol que se punha no horizonte.
Eu estava ao leme e estava fixo no sol, para manter
a rota... Pensei ser o Lucky Luke a cantar "I am a poor lonsome cowboy,
I am a long way from home..." no fim da história...
A tarde estava fresca, mas a cerveja aqueceu um
bocado. A luz laranja que inundava o céu e a baía
foi apagando e a lua cheia foi impondo a sua luz. O reflexo da
lua na água e as luzes da cidade à distância
faziam com que este momento se tornasse único e inesquecível.
Fizemos duas voltas em frente ao Golden Gate e demos
meia volta em direcção a Sausalito. O Golden Gate
estava muito congestionado com barcos de mercadorias e estava a
ficar tarde para quem está habituado a jantar cedo.
Parámos na marina, eram cerca das 8h da noite.
Depois de arrumar tudo, deitei-me na coberta, encostado aos cabos
a apreciar a lua e os reflexos na água que iam e vinham
com as poucas ondas que se viam. No horizonte por detrás
dos montes ainda havia claridade do sol e nos montes começavam
a se ver as luzes das casas a acender com as pessoas a regressarem
do trabalho. Apreciei isto com uma outra cerveja na mão
e a pensar que estes tipos têm uma sorte danada...
No entretanto o Ken preparava o jantar... Eu insisti
para ajudar, mas ele insistiu que não queria ajuda e ele é que é o
boss.
Comemos umas costeletas de carneiro grelhadas no
grelhador a gás que ele tem pendurado na borda falsa do
veleiro, acompanhadas por um género de couve esquisita típica
da Califórnia. A couve parece um ananás pequeno,
mas verde... Sei lá, parece o fruto de um cacto. É cozido
em água e depois comece o caule das folhas com maionese.
A maionese é para disfarçar o sabor de certeza... Mas
não é mau!!!
Ficámos ali na conversa durante quase uma
hora. Ele diz que gostava de aprender português porque gosta
do som "sh" e que nós o usamos muito. Estive a ver Júpiter
e os seus satélites com uns binóculos potentes que
ele tem e ensinei-lhe a ver como é que se encontrava a estrela
do norte. É impressionante como alguém que navega,
não sabe porque é que se chama bombordo e estibordo
aos bordos do barco e não sabe ver onde é a estrela
do norte.
Finalmente fiquei a saber que ele não é divorciado... Pior!
Está a divorciar-se!!! E pelos vistos as coisas não
estão a correr pelo melhor...
Ele levou-me a casa cerca das 9h30m e eu estive
a ver televisão e a compilar parte das crónicas no
Word... Eu escrevi quilómetros de texto!
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