C50 DOMINGO, 19 DE MARÇO DE 2000
A Meio do Tamalpais - Fotografia de Rui Gonçalves

Sábado, 18 de Março de 2000

Acordei cedo! Porque é que quando pudemos dormir não o conseguimos fazer? Coisas da vida...

Levantei-me, tomei o pequeno-almoço, vesti o equipamento para andar de bicicleta, montei na Vaynessa e fui tomar café ao Tully's no Centro Comercial. Senti-me um verdadeiro local a passar de calções de licra e de bicicleta pelos corredores, ao ar livre, do centro comercial. Eram 11h da manhã.

Fui até San Rafael, uma cidadezita a cerca de 7 ou 8 km a norte de Corte Madera e que já tem algum movimento citadino. Andei a ver as lojas de bicicletas, mas são um bocado vazias... Estes tipos mandam vir tudo quando os clientes precisam, mas pouco têm em exposição. Nós os portugueses vemos com as mãos, por isso temos que mexer nas coisas antes de comprar.

O trânsito e a confusão estavam-me a estragar a calma do fim-de-semana. Almocei no Kentucky Fried Chicken lá do burgo. Como um verdadeiro português enchi o cantil com Iced Tea no KFC, porque era daqueles em que a bebida é à descrição e à vontade do freguês. Dão o copo e pudemo-nos servir as vezes que quisermos e do que quisermos... Se isto em Portugal alguma vez funcionava?

Fui visitar a Missão. Não sei se sabem mas a maioria das povoações da Califórnia têm a sua origem nas Missões Católicas criadas pelos espanhóis para controlarem os índios e defenderem a região da eminente evasão dos ingleses e franceses. Adiantou-lhes de muito... Perderam isto para os Mexicanos, que por sua vez perderam o território para os americanos. Mas, por causa das Missões é que quase todas as cidades da Califórnia têm nomes em espanhol e nomes de santos. San José, San Francisco, San Rafael, San Diego, etc... E em cada uma ainda existem as ruínas ou as Missões.

A Missão de San Rafael é uma típica construção de filme de cowboys, só que é no meio da cidade... Cor-de-rosa por fora e com um altar em talha dourada... Nada de especial, mas é sempre bom ver estas coisas. A Vaynessa pousou para umas fotos que depois de reveladas e digitalizadas vos serão enviadas. Ok?

Mas era confusão a mais e depois do cafézinho rumei à zona dos lagos e lagoas no sopé Norte do Mt. Tamalpais, à procura de mais paz e de melhores vistas. Quando saí de San Rafael o conta-quilómetros já marcava 20 km de pedaladas. Segui até San Anselmo (como vêm o nome de santo), uma povoação bastante agradável com cafés sobre o Creek (Ribeiro) e muito calminho... Comparado com San Rafael.

Parei num semáforo (eu cumpro as regras por aqui, mas eles são piores do que eu) e ao meu lado pararam três ciclistas em bicicletas de estrada. Um homem e duas mulheres, todos envergavam o jersey que dizia Olimpic Club of San Francisco. É verdade que estavam bem equipados e que as bicicletas eram boas, mas clube olímpico? Ainda por cima uma delas não usava luvas mas usava um anel com brilhantes enorme, que para agarrar a barra do guiador dá um jeitaço.

Comecei a subir! Estava a 45 pés (13 m) e subi até ao lago Phoenix a 200 pés (60 m), nada de especial ao pé do que me esperava... Quando entrei no Natalie Coffin Greene Park, a quantidade de gente que descia e subia o trilho de bicicleta era impressionante. Aquilo é um género de parque com 3 ou 4 lagos e com montes de trilhos de diferentes dificuldades e o pessoal aqui anda mesmo de bicicleta. Pais, mães e filhos... E vi mesmo alguns, que pela idade, já deviam ser avós. Só não gostei muito do nome do parque... Natália Caixão ou seria Caixão da Natália... Um bocado mórbido!!!

Parei junto ao Lago para apreciar as vistas. Como quase tudo num parque, o lago parecia mesmo artificial. Aliás era artificial, só existia porque existe ali uma represa e porque faz parte de um sistema de controlo das reservas hidrográficas da região... Mas ainda bem que existe um parque assim perto da cidade e ainda bem que alguém cuida de manter as coisas limpas e ordenadas. Em Portugal deita-se fogo e plantam-se eucaliptos em todo o lado... E deita-se o lixo e entulho na berma da estrada... Não que aqui seja muito diferente, mas existem parques...

Dei a volta ao lago e entrei num dos mais famosos trilhos de BTT do mundo. O Eldridge Grade. Estava decidido em ir para Corte Madera por cima dos montes e nada melhor que ver porque é que o trilho é tão conhecido. O conta-quilómetros marcava 25 km. Comecei a subir... Continuei a subir... Passei pelo meio de umas sequóias, mas bastante jovens, pela sua dimensão relativamente pequena, que era a de apenas a equivalente a dois eucaliptos normalmente grandes... Continuei a subir... Ao fim de cerca de 3 km a andar a subir, cheguei aos 480 pés (146m). Tinha ultrapassado um casal de alemães que subiam com um filho e uma filha, cada um na sua bicicleta e era perseguido por um tipo de meia idade que à distância acompanhava o meu ritmo lento.

Parei num entroncamento para beber água e olhar para o mapa. Como aquilo é um parque há alguns pontos com água, pelo menos nos trilhos mais usados, como me apercebi quando virei para o lado do Tamalpais em vez de descer para o Lago Lagunitas. O tipo que me perseguia, quando me viu virado a sul pelo Eldridge Grade, perguntou-me com cara de surpresa se eu ia tentar ir até ao topo. Disse que a minha ideia não era essa, mas que ia indo e ia vendo. Despedimo-nos e desejamos uma boa volta a cada um.

Continuei a subir... Passaram por mim, mas no sentido contrário, alguns grupos de ciclistas, mas a quantidade de ciclistas que se aventurava naquele trilho era decididamente menos do que o que tinha visto lá em baixo. De repente numa curva, aparece um homem de meia idade, de cabelo grisalho, sem capacete a esgalhar monte abaixo como se já conhecesse aquilo como a palma das mãos... Claro!!! Eu faria o mesmo, mas ou menos usava um capacete... Aliás eu estava de capacete, a subir.

O calor apertava, o sol batia pela frente e eu que deixei os óculos em Portugal. Continuei a subir até aos 1400 pés (426m), quando me apercebi que estava a ser apanhado por um tipo meio oriental mas de pele escura, meio índio, que decididamente estava em melhor forma que eu. Nessa altura parei porque chegou a decisão se iria subir ao topo do Tamalpais ou se iria descer para Corte Madera. O conta-quilómetros marcava 35 km, tinham sido 10 km a subir, para fazer uns míseros 400 m... As pernas não doíam, mas o cóxis chorava ao fim de quase uma hora sentado a pedalar. A minha forma ainda não é a melhor (mas alguma vez foi?) e ir até aos 2340 pés (713m) em cerca de 5 km, não me entusiasmou muito. Já sonhava em descer e ir mergulhar na piscina do meu condomínio.

O Índio perguntou como se ia para o topo do Mt. Tam e eu desci em direcção a Mill Valley. Depois de descer a primeira ravina, que não era tão fácil como a que eu subi, pela quantidade de gravilha e pela inclinação, parei para apreciar a vista. A Leste estava a baía, a norte San Anselmo e a Sul entre as árvores via-se San Francisco. Saquei a máquina para tirar umas fotos a uma tipa que calmamente lia deitada na relva, sob aquela deslumbrante paisagem. Com um chapéu de palha, camisa de flores, calças de ganga com flores, de sandálias e uns óculos redondos, parecia uma hippie acabadinha de sair do fim dos anos 60. Só lhe faltava o charro, mas o ar era de quem o já tinha aviado. Mas demorei algum tempo a fotografar San Francisco e ela resolveu ir-se embora. Passou, disse "Whada nice day!" e começou a descer o trilho.

Fiquei a apreciar a vista e gastar mais umas fotos. Afinal valia a pena subir e estar ali no "topo do mundo"... o João Garcia que me desculpe.

O silêncio foi quebrado por um tipo que desceu pelo trilho que tinha acabado de fazer. Levantei-me e estava a tirar outra foto, quando apareceu outro tipo e passa à frente da câmara... Não tirei a foto e um deles diz-me, com o sotaque mais esquisito que eu alguma vez tinha ouvido, que era o último e que podia estar à vontade. Era Sul Africano e o outro era Inglês. Mais uma vez gabaram a bicicleta (ouviste César?). Estivemos a falar uns minutos e mostrei-lhes o mapa para verem onde estavam.

Arrumei tudo e comecei a descer. Nunca mais os apanhei, porque virei para Corte Madera e eles iam para Mill Valley. Desci mais depressa do que devia. Aquilo não inclina muito, mas tem umas curvas apertadas. Ainda bem que os Magura travam.

Cheguei a casa com a adrenalina ao máximo e com um calor enorme. Arrumei a Vaynessa, mudei de calções e fui experimentar a piscina do condo. Eram quase 5h30m e estava a ficar escuro e frio. A água não estava completamente limpa e estava especialmente gelada... Mergulhei, dei duas braçadas e deitei-me numa cadeira a secar... Mas tive que ir embora com o frio.

Tomei banho e fui ao supermercado fazer as compras para o jantar. Encontrei o Ken no supermercado. Tinha acabado de chegar de uma regata em Vallejo, onde tinha feito parte de uma equipa num veleiro de 50 pés (15m) e que tinham ficado em segundo lugar. Ele estava constipado desde que veio de Detroit, mas agora estava rouco. Ia ao cinema e foi comprar um gelado, o que só faz bem a quem tem a garganta apanhada. Mas como só vendem em embalagens de dois, eu ganhei o outro... Eu não! Eu, a Mónica e a Rita, que deviam chegar daí a pouco.

Convidei o Ken a aparecer para beber um copo, mas ele disse que ia ver a "Missão a Marte" e que ia dormir que estava cansado. Fui para casa, mas não consegui começar a fazer o jantar porque o Singh estava a cozinhar. Vocês não imaginam o cheiro que andava pela casa...

No entretanto chegou a Rita e a Mónica. O João também chegou a pensar aparecer, mas deve ter tido planos melhores. Fizemos o jantar, jantamos e tivemos umas horas na conversa até decidirmos dar uma volta e aproveitar o calorzinho da noite.

Fomos até ao parque de Corte Madera. Andamos de baloiço e ficámos a passear por ali até dar o sono...

Isto de meter duas mulheres em casa na semana a seguir à Cláudia ter estado cá deve ter dado a volta à cabeça do Singh, mas ele não disse nada e até foi muito simpático e deixou-nos à vontade na sala na conversa. Mas também coitado, não devia perceber muito do que se falava.

Esta crónica já vai longa e eu tenho que parar um bocadinho. Já vos conto as histórias de hoje.



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