Sábado, 18 de Março de 2000
Acordei cedo! Porque é que quando pudemos
dormir não o conseguimos fazer? Coisas da vida...
Levantei-me, tomei o pequeno-almoço, vesti
o equipamento para andar de bicicleta, montei na Vaynessa e fui
tomar café ao Tully's no Centro Comercial. Senti-me um verdadeiro
local a passar de calções de licra e de bicicleta
pelos corredores, ao ar livre, do centro comercial. Eram 11h da
manhã.
Fui até San Rafael, uma cidadezita a cerca
de 7 ou 8 km a norte de Corte Madera e que já tem algum
movimento citadino. Andei a ver as lojas de bicicletas, mas são
um bocado vazias... Estes tipos mandam vir tudo quando os clientes
precisam, mas pouco têm em exposição. Nós
os portugueses vemos com as mãos, por isso temos que mexer
nas coisas antes de comprar.
O trânsito e a confusão estavam-me
a estragar a calma do fim-de-semana. Almocei no Kentucky Fried
Chicken lá do burgo. Como um verdadeiro português
enchi o cantil com Iced Tea no KFC, porque era daqueles em que
a bebida é à descrição e à vontade
do freguês. Dão o copo e pudemo-nos servir as vezes
que quisermos e do que quisermos... Se isto em Portugal alguma vez
funcionava?
Fui visitar a Missão. Não sei se sabem
mas a maioria das povoações da Califórnia
têm a sua origem nas Missões Católicas criadas
pelos espanhóis para controlarem os índios e defenderem
a região da eminente evasão dos ingleses e franceses.
Adiantou-lhes de muito... Perderam isto para os Mexicanos, que por
sua vez perderam o território para os americanos. Mas, por
causa das Missões é que quase todas as cidades da
Califórnia têm nomes em espanhol e nomes de santos.
San José, San Francisco, San Rafael, San Diego, etc... E em
cada uma ainda existem as ruínas ou as Missões.
A Missão de San Rafael é uma típica
construção de filme de cowboys, só que é no
meio da cidade... Cor-de-rosa por fora e com um altar em talha dourada... Nada
de especial, mas é sempre bom ver estas coisas. A Vaynessa
pousou para umas fotos que depois de reveladas e digitalizadas
vos serão enviadas. Ok?
Mas era confusão a mais e depois do cafézinho
rumei à zona dos lagos e lagoas no sopé Norte do
Mt. Tamalpais, à procura de mais paz e de melhores vistas.
Quando saí de San Rafael o conta-quilómetros já marcava
20 km de pedaladas. Segui até San Anselmo (como vêm
o nome de santo), uma povoação bastante agradável
com cafés sobre o Creek (Ribeiro) e muito calminho... Comparado
com San Rafael.
Parei num semáforo (eu cumpro as regras por
aqui, mas eles são piores do que eu) e ao meu lado pararam
três ciclistas em bicicletas de estrada. Um homem e duas
mulheres, todos envergavam o jersey que dizia Olimpic Club of San
Francisco. É verdade que estavam bem equipados e que as
bicicletas eram boas, mas clube olímpico? Ainda por cima
uma delas não usava luvas mas usava um anel com brilhantes
enorme, que para agarrar a barra do guiador dá um jeitaço.
Comecei a subir! Estava a 45 pés (13 m) e
subi até ao lago Phoenix a 200 pés (60 m), nada de
especial ao pé do que me esperava... Quando entrei no Natalie
Coffin Greene Park, a quantidade de gente que descia e subia o
trilho de bicicleta era impressionante. Aquilo é um género
de parque com 3 ou 4 lagos e com montes de trilhos de diferentes
dificuldades e o pessoal aqui anda mesmo de bicicleta. Pais, mães
e filhos... E vi mesmo alguns, que pela idade, já deviam ser
avós. Só não gostei muito do nome do parque... Natália
Caixão ou seria Caixão da Natália... Um bocado
mórbido!!!
Parei junto ao Lago para apreciar as vistas. Como
quase tudo num parque, o lago parecia mesmo artificial. Aliás
era artificial, só existia porque existe ali uma represa
e porque faz parte de um sistema de controlo das reservas hidrográficas
da região... Mas ainda bem que existe um parque assim perto
da cidade e ainda bem que alguém cuida de manter as coisas
limpas e ordenadas. Em Portugal deita-se fogo e plantam-se eucaliptos
em todo o lado... E deita-se o lixo e entulho na berma da estrada... Não
que aqui seja muito diferente, mas existem parques...
Dei a volta ao lago e entrei num dos mais famosos
trilhos de BTT do mundo. O Eldridge Grade. Estava decidido em ir
para Corte Madera por cima dos montes e nada melhor que ver porque é que
o trilho é tão conhecido. O conta-quilómetros
marcava 25 km. Comecei a subir... Continuei a subir... Passei pelo
meio de umas sequóias, mas bastante jovens, pela sua dimensão
relativamente pequena, que era a de apenas a equivalente a dois
eucaliptos normalmente grandes... Continuei a subir... Ao fim de cerca
de 3 km a andar a subir, cheguei aos 480 pés (146m). Tinha
ultrapassado um casal de alemães que subiam com um filho
e uma filha, cada um na sua bicicleta e era perseguido por um tipo
de meia idade que à distância acompanhava o meu ritmo
lento.
Parei num entroncamento para beber água e
olhar para o mapa. Como aquilo é um parque há alguns
pontos com água, pelo menos nos trilhos mais usados, como
me apercebi quando virei para o lado do Tamalpais em vez de descer
para o Lago Lagunitas. O tipo que me perseguia, quando me viu virado
a sul pelo Eldridge Grade, perguntou-me com cara de surpresa se
eu ia tentar ir até ao topo. Disse que a minha ideia não
era essa, mas que ia indo e ia vendo. Despedimo-nos e desejamos
uma boa volta a cada um.
Continuei a subir... Passaram por mim, mas no sentido
contrário, alguns grupos de ciclistas, mas a quantidade
de ciclistas que se aventurava naquele trilho era decididamente
menos do que o que tinha visto lá em baixo. De repente numa
curva, aparece um homem de meia idade, de cabelo grisalho, sem
capacete a esgalhar monte abaixo como se já conhecesse aquilo
como a palma das mãos... Claro!!! Eu faria o mesmo, mas ou
menos usava um capacete... Aliás eu estava de capacete, a
subir.
O calor apertava, o sol batia pela frente e eu que
deixei os óculos em Portugal. Continuei a subir até aos
1400 pés (426m), quando me apercebi que estava a ser apanhado
por um tipo meio oriental mas de pele escura, meio índio,
que decididamente estava em melhor forma que eu. Nessa altura parei
porque chegou a decisão se iria subir ao topo do Tamalpais
ou se iria descer para Corte Madera. O conta-quilómetros
marcava 35 km, tinham sido 10 km a subir, para fazer uns míseros
400 m... As pernas não doíam, mas o cóxis chorava
ao fim de quase uma hora sentado a pedalar. A minha forma ainda
não é a melhor (mas alguma vez foi?) e ir até aos
2340 pés (713m) em cerca de 5 km, não me entusiasmou
muito. Já sonhava em descer e ir mergulhar na piscina do
meu condomínio.
O Índio perguntou como se ia para o topo
do Mt. Tam e eu desci em direcção a Mill Valley.
Depois de descer a primeira ravina, que não era tão
fácil como a que eu subi, pela quantidade de gravilha e
pela inclinação, parei para apreciar a vista. A Leste
estava a baía, a norte San Anselmo e a Sul entre as árvores
via-se San Francisco. Saquei a máquina para tirar umas fotos
a uma tipa que calmamente lia deitada na relva, sob aquela deslumbrante
paisagem. Com um chapéu de palha, camisa de flores, calças
de ganga com flores, de sandálias e uns óculos redondos,
parecia uma hippie acabadinha de sair do fim dos anos 60. Só lhe
faltava o charro, mas o ar era de quem o já tinha aviado.
Mas demorei algum tempo a fotografar San Francisco e ela resolveu
ir-se embora. Passou, disse "Whada nice day!" e começou
a descer o trilho.
Fiquei a apreciar a vista e gastar mais umas fotos.
Afinal valia a pena subir e estar ali no "topo do mundo"... o João
Garcia que me desculpe.
O silêncio foi quebrado por um tipo que desceu
pelo trilho que tinha acabado de fazer. Levantei-me e estava a
tirar outra foto, quando apareceu outro tipo e passa à frente
da câmara... Não tirei a foto e um deles diz-me, com
o sotaque mais esquisito que eu alguma vez tinha ouvido, que era
o último e que podia estar à vontade. Era Sul Africano
e o outro era Inglês. Mais uma vez gabaram a bicicleta (ouviste
César?). Estivemos a falar uns minutos e mostrei-lhes o
mapa para verem onde estavam.
Arrumei tudo e comecei a descer. Nunca mais os apanhei,
porque virei para Corte Madera e eles iam para Mill Valley. Desci
mais depressa do que devia. Aquilo não inclina muito, mas
tem umas curvas apertadas. Ainda bem que os Magura travam.
Cheguei a casa com a adrenalina ao máximo
e com um calor enorme. Arrumei a Vaynessa, mudei de calções
e fui experimentar a piscina do condo. Eram quase 5h30m e estava
a ficar escuro e frio. A água não estava completamente
limpa e estava especialmente gelada... Mergulhei, dei duas braçadas
e deitei-me numa cadeira a secar... Mas tive que ir embora com o
frio.
Tomei banho e fui ao supermercado fazer as compras
para o jantar. Encontrei o Ken no supermercado. Tinha acabado de
chegar de uma regata em Vallejo, onde tinha feito parte de uma
equipa num veleiro de 50 pés (15m) e que tinham ficado em
segundo lugar. Ele estava constipado desde que veio de Detroit,
mas agora estava rouco. Ia ao cinema e foi comprar um gelado, o
que só faz bem a quem tem a garganta apanhada. Mas como
só vendem em embalagens de dois, eu ganhei o outro... Eu não!
Eu, a Mónica e a Rita, que deviam chegar daí a pouco.
Convidei o Ken a aparecer para beber um copo, mas
ele disse que ia ver a "Missão a Marte" e que ia dormir
que estava cansado. Fui para casa, mas não consegui começar
a fazer o jantar porque o Singh estava a cozinhar. Vocês
não imaginam o cheiro que andava pela casa...
No entretanto chegou a Rita e a Mónica. O
João também chegou a pensar aparecer, mas deve ter
tido planos melhores. Fizemos o jantar, jantamos e tivemos umas
horas na conversa até decidirmos dar uma volta e aproveitar
o calorzinho da noite.
Fomos até ao parque de Corte Madera. Andamos
de baloiço e ficámos a passear por ali até dar
o sono...
Isto de meter duas mulheres em casa na semana a
seguir à Cláudia ter estado cá deve ter dado
a volta à cabeça do Singh, mas ele não disse
nada e até foi muito simpático e deixou-nos à vontade
na sala na conversa. Mas também coitado, não devia
perceber muito do que se falava.
Esta crónica já vai longa e eu tenho
que parar um bocadinho. Já vos conto as histórias
de hoje.
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