Sexta-feira, 11 de Fevereiro de 2000
Se há alturas de azar ou em que parece que
nos acontece tudo aquilo que desejávamos que não
nos acontecesse em dados momentos, não sei, mas que sexta
de manhã a sorte não esteve comigo, é verdade.
Acordei mais cedo porque tinha uma formação
no escritório, sobre o VisConcept, com uns clientes japoneses,
que começava às 9h da manhã. A manhã estava
cinzenta, mas como não chovia e quando tem chovido por aqui,
há sempre umas abertas que me permitem ir de casa ao escritório
e deste para casa, arrisquei e montei na Vaynessa para fazer os
7 km que separam a minha casa do escritório.
Depois de dez minutos a subir, começou a
chover. Como um verdadeiro BTTista, não trazia impermeável,
e abriguei-me, à espera que o diluvio passa-se, debaixo
de uma árvore. Ao fim de cinco minutos, a coisa acalmou,
mas não deu ar de parar, pelo que tive que tomar uma decisão
rápida. Voltei a casa e peguei nas trouxas para o fim de
semana e fui apanhar o autocarro.
Perdi o 30 das 9h04m, que era o que para mesmo à porta
do escritório. O próximo só às 10h04m.
Decidi apanhar o 20 até Mill Valley e daí o 10 até Manzanita
Parking Lot, onde fica o escritório. Cheguei às 10h20m... quase
três horas depois de me levantar e duas depois da minha primeira
tentativa de chegar intacto ao escritório. Cheguei algo
molhado, mas de certeza melhor que se tivesse ido de bicicleta.
E ainda cheguei a tempo de se falar de tradutores e novas funcionalidades,
que eu devo vir a implementar, se sobreviver ao primeiro trabalho,
diz o Ken. E claro, a tempo da demonstração em três
pipes gigantescos.
No 10, a caminho de Manzanita, viajava comigo um
tipo que usava um género de mota eléctrica para se
deslocar. Os autocarros aqui estão todos equipados com mecanismos
de embarque e desembarque de deficientes, e então é normal
ver muitos deficientes motores e outros seres que não se
conseguem mover pelos seus meios em autocarros. Mas o tipo, que
parecia o George Bush, mas com mais uma centena de quilos, estava
rosado como um pimento e usava um belo anel no mindinho da mão
esquerda à líder da mafia, e disse-me como é possível
meter um saco cama num saco tão pequeno. Isto porque eu
levava o saco com o saco cama na mão, uma vez que ia passar
o fim-de-semana a SF. Daí nasceu uma conversa, entre mim,
o George-Pesado-Tomate-Mafioso-Bush e um bêbado que também
ali vinha. Pelos vistos também deve haver um mecanismo qualquer
para bêbados nos autocarros, porque esses também se
vêem lá muito. O bêbado, que dizia que fazia
muita montanha e que tinha pago $250 (50 contos) pelo seu saco
cama, cheirava tão bem que me deu saudades do tempo em que
dormia no mesmo quarto com o alemão, na pousada da juventude.
Além disso tinha cara de quem não gastava em lâminas
de barbear para lhe dar no whiskie, e roupa só a que lhe
davam no centro de beneficência, pelo que não me admira
nada que gastasse tanto num saco cama... Não acham. Mas pronto,
a melhor do bêbado barbudo e mal cheiroso, foi quando disse
que lhe dessem a Pamela Anderson e ele subia qualquer montanha... Eu
desconfio que quem subia qualquer parede era a Pamela se o visse à frente.
O George Tomate Motorizado andava a estudar para
ser vendedor de casas, vejam lá vocês... Se calhar só podia
era mostrar ou vender casas com rampas de acesso. Ele usava a motoreta,
mas tinha ar de quem podia andar... Talvez com dificuldade, mas devia
conseguir. Aparentemente foi atropelado por um camião, quando
andava a estudar medicina, mas tive que sair do autocarro antes
de saber mais pormenores.
A formação seguiu o normal até à hora
do almoço quando o Ken me pergunta se os queria acompanhar
no almoço, que eles iam a um restaurante Mexicano muito
bom em Tiburon, do outro lado da baía de Richardson, em
que umas das margens ficam os escritórios. Eu como este
mês ando mal de finanças, e ando a ver se a empresa
me ajuda com alguma coisa durante o estágio, perguntei-lhe
se eu conseguiria pagar o meu almoço. Uma coisa que eu gosto
nos americanos e que às vezes parece má criação é a
sua frontalidade, e já estou a aprender alguma coisa com
eles nesse campo. Aqui não há grandes rodeios. A
resposta do Ken, foi de que o almoço era pago, pelo que
a minha resposta foi... Claro, que vou!!!
Como éramos seis e para não haver
confusões, fomos todos no mesmo carro. Uma verdadeira banheira
americana com três lugares à frente... improvisados,
mas legais, porque haviam seis cintos no carro... Também não
há caixa de velocidades, por isso, pode-se pôr um
lugar a mais.
O dia estava chuvoso como já disse, mas mesmo
assim ainda se via SF ao longe do restaurante, que ficava mesmo
no cais do ferry. Em frente fica Angel Island e Alcatraz logo por
detrás. O restaurante fica sobre as águas da baía
e Tiburon é uma vila (?) muito engraçada, com casas
sobre barcos e casas pelo monte acima. Uma visita a repetir, com
tempo melhor e com a minha querida esposa.
O almoço foi social e de negócios,
mas engraçado. Comi um pato com molho de pevides de abóbora... Estava
delicioso e demorei dois dias a fazer a digestão, mas caiu
que nem ginga. Aproveitei para mostrar que sabia algum espanhol,
mas pouco, para não me sair muito mal.
De volta ao escritório no seismobil e de
volta à formação. No fim da formação
ainda recebi uma boneca japonesa em gesso de uma geisha, do japonga
e da japonga que estavam a ter formação comigo... Que
vos posso descrever como sendo japoneses. Tens os olhos em bico,
a cara redonda e falam pouco e mal inglês, o que valia é que
estava lá um americano que parecia falar bem japonês... Mas
não posso garantir.
Depois veio o normal lanche das sextas-feiras, mas
eu ainda estava a digerir o meio pato que comi ao almoço,
pelo que só bebi dois copitos de vinhos Beringer e
comi uma fatia de bolo.
Agarrei na minha mochila, saco-cama e saco com o
portátil e fui para a cidade. Cheguei às 19h, sem
grandes percalços, pois já chegavam os da manhã.
O Jorge era o único que estava em casa, porque
a Patrícia tinha ido à sauna. No entretanto chegou
o João, que é primo da Ticha, a nossa amiga mulher
do Pipa, e estivemos a falar das entrevistas que ele e o Jorge
têm ido para arranjar um sitio para estagiar. Eles têm
a sorte de não passar pelo que nós passámos
no início, mas também ainda não sabem bem
para onde vão. Bem, o Jorge já sabe, mas o João
não foi aceite na Cisco... Os tipos acho que exigiram muitas
qualificações.
O Diogo, a Rita e a Mónica chegaram com umas
pizzas e o André apareceu mais tarde, já depois do
Tiago, a Joana e o Nuno terem chegado.
A maior parte saiu para beber um copo, mas eu fiquei
porque estava cansado e queria acabar o trabalho para o ICEP, para
que tivesse mais tempo disponível no dia seguinte para dar
umas voltas. Mas, acabei por me pôr na conversa, com a Rita,
a Mónica e a Patrícia sobre viver em casa dos pais,
fora da casa dos pais, sozinho ou em conjunto com amigos ou pessoas
que julgamos serem amigos. Eu como um experiente na matéria,
pelo menos ali naquele mini-universo, poderia dar algumas ajudas
para que ninguém se chateasse com ninguém... Mas a
conversa seguiu sem rumo, até aparecer a Joana e o Nuno,
que desistiram da saída quando os outros decidiram ir para
o Ten 15, outra vez.
Fomos todos dormir. Mas por volta das 4h da manhã chegaram
os da discoteca, algo alegres e barulhentos.
Fez um mês que estou em San Francisco.
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