C16 SEGUNDA-FEIRA, 31 DE JANEIRO DE 2000
Candeeiro Chinês - Fotografia de Rui Gonçalves

Sábado, 29 de Janeiro de 2000

Sábado, eu e o Diogo, acordámos relativamente cedo. Com o barulho dos carros e a luz nas persianas, não era possível dormir até muito tarde. Estivemos a ler o mail até que apareceu a Patrícia a chamar-nos para irmos dar uma ajuda na mudança de casa delas.

Elas alugaram uma carrinha para irem buscar uns sofás e mais uns adereços que gentilmente alguns amigos e colegas de trabalho delas lhes ofereceram, uma vez que não precisavam deles. Já tinham ido a S. Anselmo buscar um sofá que tinha sido oferecido pelo Sr. Oliveira, o dono do restaurante português cá de SF. E era esse mesmo sofá que eu e o Diogo teríamos que levar da garagem até ao 11º andar do prédio.

Parece difícil, mas havia elevador... Só que o sofá era grande e a cama teimava em abrir nas situações mais complicadas. Rotações, translações e combinações dos dois movimentos em diferentes eixos, foram usadas uma série de vezes, até que o sofá entrou na sala do apartamento delas.

A Mónica e a Rita é que não apareciam para irmos almoçar. Quando chegaram e como não precisavam mais da nossa ajuda e não estavam a pensar perder tempo com o almoço, eu e o Diogo decidimos ir dar uma volta a Mission. Almoçamos num Chinês-Tailandês, que é o que se arranja de mais barato logo a seguir à fast food, e apanhámos o autocarro em Market para Castro.

Castro como é a zona dos homossexuais é das zonas mais limpas e seguras de SF e além disso tem algumas das melhores lojas de discos que encontrei na cidade. Não se vêem homeless e as casas e ruas estão muito cuidadas, só que parece que estamos de capuchinho vermelho e só se vêem lobos, mas inofensivos. Os homens têm ar de muito lavados, musculosos, sem pêlos e de cabelo curto e as mulheres são tão másculas que chegamos a ver uma de bigode e pêra, raro mas era um bigode.

Descemos a 18th até à Mission. Passamos numa Garage Sale, em que o Diogo comprou o CD dos Spin Doctors por $2. Havia mais CDs, mas já os tínhamos, mas de resto não se vendia nada de especial.

Quando chegámos a Mission... é difícil de descrever, mas é como de repente tivéssemos chegado ao México. Zapatistas era por todo o lado, com ar de rufias e a fumar uma substâncias que cheiravam a especiarias.

Vende-se de tudo em Mission. Entra-se numa loja de coisas usadas e pode-se encontrar desde uma bicicleta Cannondale de 1979 até a uma guitarra Gibson. Máquinas fotográficas, objectivas, aparelhagens, leitores de CD portátil, canivetes suíços e leatherman, mobília, instrumentos musicais, bicicletas e tudo o que é possível de ser vendido está lá. A qualidade é que é de duvidar.

Andámos a ver as lojas, mas como o dinheiro não dá ainda para grandes aventuras, há que voltar mais tarde... Mas fiquei com uma ideia, e com a certeza que andar a passear uma máquina fotográfica sozinho naquela zona, não deve ser uma boa opção.

A zona apesar de ser um bocado mau aspecto não tem aqueles anormais que se vêem no centro da cidade. Apesar dos mexicanos terem ar de rufias e de pertencerem a gangs, não têm aspecto de deficientes mentais como os homeless. Eu não sei se isto é bom ou mau para a zona, porque faz deles uns seres inteligentes que são capaz de roubar, enquanto os homeless apesar de cheirarem mal e falarem sozinho, não se metem com as pessoas.

Estivemos à espera que as miúdas aparecessem na sua carriça, como tínhamos combinado, porque o Diogo tinha ali um microondas em vista, mas elas deviam de ter alguma coisa mais ainda para carregar e fomos apanhar o Bart para Market.

O Bart é o metro privado cá de SF, porque também existe um metro municipal. Digo-vos que deve ser o sítio onde eu não quero estar quando houver um terramoto, mas que os comboios são confortáveis, é verdade. Carpete e tudo... tudo do que é melhor para quando houver um incêndio... com tantas normas de segurança, que nem se pode comer dentro das estações.

Vínhamos a subir Hyde, e deparamos com um homeless a vender o seu espólio. É normal ver os homeless a venderem o que encontram nas ruas, e até uma forma de eles ganharem algum para a bebida em vez de andarem a importunar as pessoas. O Diogo comprou uns talheres, de ferro claro e encontrou um maple abandonado na rua, que com uma boa lavagem e desinfecção ainda vai servir para melhorar a decoração do estúdio.

Encontrámos a Helena, e quando estávamos a chegar a casa, chegou um chinoca ao pé de mim a querer vender um fato impermeável completo da Columbia. Como eu não tenho nada cá para andar à chuva na bicicleta, dei uma vista de olhos. Estava em bom estado, um bocado sujo mas com uma lavagem decente, ficava impecável, apesar do seu amarelo agressivo. Regateei o preço, mas ficou por $10, qualquer coisa como 2000$00.

Fomos pousar as compras recentes a casa e decidimos ir ver a loja de caridade da esquina. Existe uma cadeia de lojas que aceita doações na forma de roupa, móveis e ou utensílios que as pessoas já não usam e depois vendem-nos para angariar fundos para ajudar os mais carenciados. Vende de tudo. Já lá vi desde calças da Levi's até aparelhos de manutenção. Eu não comprei nada, porque, apesar de precisar de uns lençóis, não sabia a dimensão da minha cama. O Diogo comprou um miniaspirador.

Como vêem esta é a vida dos estagiários do Contacto@ICEP em SF. Andar a comprar em lojas de beneficência, a homeless e apanhar coisas na rua, porque os preços fora disso são proibitivos... ou será porque há coisas melhores em que gastar o dinheiro.

Às 20h fomos ter com o resto do pessoal que vinha jantar em SF. O Nuno, a Júlia, o Tiago, os Andrés, a Helena, a Joana, o Nelson e o Carlos. Fomos jantar ao Silver em Washington em Chinatown, pela última vez. Não é que na hora de pagar a tipa me cobra $10 de gorjeta... eu dou se quiser, já chegámos à china ou quê?

Fomos buscar as meninas das mudanças a casa, e fomos para o pub Irlandês do costume, o Foley's em O´Farrel. Se na semana passada estava uma banda de country a tocar, nesta estava uma de reggae. A Irlanda está em mutação. O pub estava um bocado às moscas, e nós estávamos cansados e com sono, mas ficámos até que nos mandassem embora. A melhor coisa do pub é a cerveja. Tem uma variedade de 10 ou 12 cervejas diferentes, entre elas Guiness, claro!

Os do sul de S. Francisco, foram-se embora e como elas tinham a carrinha alugada até de manhã, fomos dar uma volta. Rumámos a Twin Peaks. Depois de termos tomado uns desvios em Castro e na zona, sempre com medo que a carrinha avariasse naquelas subidas íngremes e fossemos atacados pelos "lobos" da zona, conseguimos chegar próximo do topo das montanhas.

A vista é magnífica, apesar de estar a começar a chover e do frio ser bastante. O nevoeiro e a poluição não deixava que se visse o Financial District com clareza, mas a cidade à noite vista daquele ponto é fantástica. As luzes da cidade, das cidades em volta da baía e dos carros na escuridão da noite conseguem transmitir uma paz... É mais um sítio para trazer a Cláudia.

Entregámos o carro na garagem e fomos dormir. Eram 4h da manhã...



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