16 CRÓNICA O Vespertino de Reading 3 de Setembro de 2004

Irlanda VII - Dublin

[Domingo, 29 de Agosto de 2004 – 13:20] Gruel, Dame St., Dublin

"A viagem está a chegar ao fim. O vento durante a noite não nos deixou dormir muito. O humor não está do melhor.

Gravity Guinness - Fotografia de Rui Gonçalves

Perdemos o autocarro para o centro de Dublin porque uns mal-educados passaram-nos à frente. O autocarro vinha cheio e só entraram alguns [N.R. – Por isso o motorista chamou a pedir outro autocarro se não teríamos que esperar 2 horas. Como em Portugal!] Esperámos mais 3/4 de hora e aqui estamos. Estamos num daqueles sítios que jamais esquecerei [N.R. – Na verdade são estas memórias que fazem as viagens e que nos fazem viajar]. Um café (Gruel) que transpira boa onda. Não há duas peças de mobiliário iguais e parece uma cantina de uma pousada de juventude. As paredes estão forradas a cartazes e a casa- de-banho tem cores berrantes (deve ser inspirador). Mas o melhor é a filosofia de Brunch (Breakfast-Lunch) que pauta o menu. Estou a gostar.

Pedi um `Spinach, Ham & Patato Tortilla with Rocket & Parmasan' e a Cláudia `Smoked Salmon, Dill & Crème Fraiche Pizza' [N.R. – Esta mania que por estes lados têm de descrever o prato no menu é do melhor. Imaginem como se chamaria o Cozido à Portuguesa por aqui "Chouriço de Carne, Chouriço de Sangue, Farinheira e Outros, Carne de Porco, Galinha e Vaca, Cozido com Vegetais, Batata e Cenoura e servido com Arroz Branco feito na Água do Cozido"]. Claro que trocámos a meio, como de costume. A escolha dela foi a mais acertada.

Agora esperamos por um `Fruit Crumble with Ice-Cream' que basicamente é uma mistura de fruta com gelado.

Que se lixe o Trinity College se fechar enquanto estamos aqui. Também merecemos descansar e são os momentos que marcam as viagens e não os monumentos. Andamos com aversão a monumentos desde que fomos a França há dois anos."

[Depois tem um `g' desenhado, que é logotipo da Gruel e a frase `Yoga is for every body" que estava num cartaz na parede e achei por bem copiar, por ser um bom trocadilho]

"O Fruit Crumble chegou meia-hora depois e afinal é um pouco diferente do que pensávamos. É fruta com bolo de nozes e gelado de chocolate, meio às camadas, meio todo-misturado [N.R. – Muito semelhante ao que comi em Dingle]. Atrás de nós está um grupo formado por um americano, um italiano e duas espanholas das Canárias. O italiano a falar inglês parece o Ali G. no papel do tipo do Cazaquistão.

Ainda vamos ver o Trinity College."

[17:45] Gravity Bar @ the Guinness Storehouse, Dublin

"Dublin é feia. Além disso está cheia de gruas. Este país está em obras.

O tipo do bar é um virtuoso. Fez o símbolo do trevo na espuma da Guinness da Cláudia e na minha escreveu `Saude' [N.R. – Sim! Sem acento!] e desenhou o trevo, com cerveja.

S. Pedro deve ter falado com St. Patrick e o dia tem estado bom. Apenas está fresco e muito ventoso. Ah! Conseguimos entrar no Trinity College e ver os Books of Kells e a biblioteca. É difícil de descrever aquilo com a pouca tinta que me sobra na caneta. Depois eu faço-o..."

O bar no último andar da exposição da Guinness dá uma bela visão de Dublin. Mas Dublin vista de cima não tem a mesma beleza de uma Paris vista de Torre Eiffel ou de uma Lisboa do Castelo de S. Jorge. O melhor mesmo é a pint de Guinness e o ambiente despreocupado e simpático do bar.

Sobre os Books of Kells... É impressionante como é possível ver uma obra manuscrita há mais de 1200 anos ter um detalhe gráfico daqueles. As pinturas foram feitas a várias cores sobre pergaminho e documentam os quatro evangelhos. Já não me lembro quanto tempo demorou a ser feito, mas sei que resistiu a vários fogos e ataques dos Vikings até que no século 17 foi entregue ao Trinity College para ser preservado. A descrição dos métodos de tratamento dos pergaminhos, da criação das tintas e da escrita e pintura dos padres que fizeram a obra é impressionante para um indivíduo que vive no séc. XXI, usa computadores para escrever e não tem tempo para fazer tudo o que gostava.

E a sala da biblioteca? Não se podia tirar fotografias, pelo que se quiserem ver vão a Dublin. É mesmo no centro.

[20:25] Monty's of Kathmandu, Dublin

"Dublin é linda! Não como cidade de monumentos, casas ou ruas, mas pelo ambiente e as pessoas. A cidade transpira diversão.

Estamos num restaurante que tem Shiva Beer e comidas cujos nomes sou incapaz de repetir (excepção feita ao Tandoori e Nan)."

[23:05] Dentro do 69, Dublin

"Perdemos o autocarro das 9, pelo que tivemos a fazer tempo até às 11. Só queremos dormir, mas ainda falta uma fantástica volta de bus pela cidade até Camac Valley.

Hoje vi a mulher com o maior bigode que jamais tinha visto. Trabalhava na Guinness [N.R. – No Gravity Bar]. Ficou provado que a Guinness é para homens de barba rija.

Amanhã voltamos a Reading."

[Segunda-feira, 30 de Agosto de 2004 – 9:00] Ulysses, Irish Ferries

"De novo no maior ferry do mundo, desta vez a caminho de Gales. Ainda faltam 3h de ferry e pelo menos 5h de carro [N.R. – Foram mais de 6] até Reading. De volta ao apartamento barulhento e de volta à barbárie britânica. Não que os irlandeses sejam muito melhores. Pelo menos a conduzir são piores [N.R. – Já discordo. Acho que os irlandeses são mais bárbaros, mas os ingleses são com certeza o povo com mais medo de conduzir que alguma vez conheci. Para entrar numa rotunda param sempre, mesmo que não se veja um carro dentro da rotunda. Se têm que virar e para isso tem que passar na faixa contrário e vem um carro a um quilómetro esperam para virar]. Mas pelo menos são mais simpáticos e tem noção que não são a maior nação do mundo (se é que tal existe) [N.R. – Fala-se muito dos americanos, mas nunca vi um povo tão cego pela sua nação como os ingleses]. Pena que os ingleses não sejam mais modestos.

O navio está a andar. Suponho eu, porque aqui na casa-de-banho não há janelas. Mas como está tudo a tremer."

Depois de chegarmos a Holyhead, parámos em Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch uma povoação galesa que ostenta o belo nome que ninguém para além deles sabe prenunciar. Aparece nos mapas como Llanfair P G, por razões óbvias e cujo nome significa algo como A-Igreja-de-Santa-Maria-no- Buraco-da-Aveleira-Branca-Perto-dos-Rápidos-Redemoinhos-do- Llantysilio-da-Caverna-Vermelha. Mas acho que não está no Guinness, porque existe uma povoação com um nome maior na Nova Zelândia.

Daí até Reading foi o martírio. Apenas quebrado pela travessia do Parque Natural da Snowdonia em Gales que é deslumbrante (a Cláudia dormia). Mas desde semáforos para peões em aldeias sem gente e que criam filas de carros com 5 quilómetros até às 1639 rotundas, rotundas com semáforos e semáforos sem rotundas que existem até chegar à auto-estrada, tudo serviu para nos dar cabo do sistema nervoso. Não há povo mais paciente que o inglês e eu aprendi que apanhar estradas secundárias é muito melhor que ir pelas principais, porque estes ingleses vão pelo óbvio e as estradas estão apinhadas de trânsito.

Além de ser o fim das férias para muitos (incluindo nós), era também o fim de um fim-de-semana prolongado para a maioria. Chegámos a Reading depois das 21h. O que vale o Freddy recebeu-nos com um delicioso jantar.

Ha'Penny Bridge - Fotografia de Cláudia Fernandes LlanfairPG - Composição feita a partir de duas fotos de Rui Gonçalves e Cláudia Fernandes


Índice: Capa
Mapas da Viagem : Irlanda Mapas 1
Próxima Crónica: Crónica 17