D28 SEXTA-FEIRA, 26 DE AGOSTO DE 2005
Don't Forget (Mostar) - Fotografia de Rui Gonçalves

Desde miúdo que me fascinou a Jugoslávia. Fascinava-me como um país comunista e não alinhado, a leste da Europa, englobava tantas culturas e tantas religiões no seu seio. Era o sonho da coexistência pacífica da diversidade da raça humana.

O sonho desvaneceu-se uns meses antes de começar uma semi-planeada viajem aos balcãs, à boleia, com um colega da Universidade. Foi-se, quando estoirou a guerra na Croácia, seguida da guerra na Bósnia e no Kosovo. As imagens do conflito que opunham irmãos, que tantos anos viveram em paz, entrava-nos pela televisão todos os dias. As imagens vinham dali do lado, da Europa.

De todos os países que saíram da ex-Jugoslávia, a Croácia era aquele que sempre mais me cativou para visitar. Geograficamente e geologicamente achava-o mais apelativo e facto de ter a maior extensão de costa (mediterrânea) de todos tornava-o o mais interessante. Além disso fascinava-me como um país ali ao lado da Itália conseguia rivalizar com ela em ruínas romanas (o circo de Pula) e em beleza cultural (Dubrovnik).

Depois de ter estado 10 dias a passear na Croácia, desde Zagreb, no interior norte, até Dubrovnik, na costa ao sul, vejo o quanto a diversidade pode ser usada para criar ódios e o quanto estava errado quanto à união pacífica destes povos eslavos do sul (para quem não sabe Jugoslávia quer dizer Eslavos do Sul em servo-croata). Tito sempre e pareceu um unificador, mas vejo agora que só o foi com uso da força.

Acho que foi o que mais aprendi nestas férias na Croácia. E o que mais me vou recordar delas. Não vou conseguir recordar os nomes dos sítios (como Pelješac, Plitvicka, Krka ou Orebic) porque na maioria das vezes roçam o impronunciável, mas vou concerteza lembrar as imagens que vi de casas com rajadas de metralhadora na fachada, incendiadas e abandonadas. Em aldeias com 10 casas viam-se casas, que eventualmente foram de sérvios, completamente destruídas.

Também me vou recordar de Mostar, na Bósnia-Herzogovina e da frase que lá estava escrita numa pedra "Don't Forget" e que pode ser interpretada de duas maneiras, olhando para a destruição em volta do bairro muçulmano e para as campas com a data de 1993 que existem nos vários cemitérios junto às mesquitas, como uma frase de revolta ou como uma frase de promessa de vingança. Prefiro pensar que será a primeira, mas atendendo à situação actual do país parece-me que os problemas ainda não acabaram por ali.

Mas a Croácia é muito mais que um país que sofreu uma guerra há 10 anos (as comemorações estavam a acontecer). É um país que tem 5 milhões de habitantes e que no verão triplica a população. É um país que recebe visitantes de todos os países europeus, desde a Inglaterra a oeste (não vi irlandeses) até à Moldávia a leste, e desde a Estónia a norte até à Albânia a sul. Só não vi Romenos e Gregos, e de alguns dos países da ex-URSS cujo nome nunca sabemos. Estava lá toda a gente... E aos montes!

Basicamente fizemos 2150kms em 10 dias. Andámos um dia de barco pelas ilhas Kornati e isso fez-nos ver que a melhor maneira de gozar aquele mar é mesmo estando a flutuar sobre ele. As praias são pequenas. Poucas vezes têm mais de 2 metros de comprimento e são raras aquelas que atingem os 100m de largura. Agora imaginem que nessas praias estão algumas largas dezenas de pessoas amontoadas, de colchão e sapatos de borracha. Sim! Porque não há areia (o grão de areia mais fino que vi, aqui em Portugal serve para apanhar pássaros) e porque no fundo rochoso há ouriços. E até há praias de cimento...

Mas o mar compensa tudo. Azul, transparente e quente. Apetece mergulhar logo... Não fosse o "Ui! Ai!" de ter que se caminhar naquela "areia". Aquele mar aqui na Costa Nova e ninguém me conseguia mais ver em casa. Por isso ando já a tratar de tirar a Carta de Marinheiro, para que da próxima possa alugar um veleiro e passear pelas belas águas do mediterrâneo.

Não venho desiludido com a Croácia. Venho cheio de histórias para contar, como a do empregado de uma loja de sandes de Zagreb que reconheceu-nos como portugueses, apesar de não perceber uma palavra do que dizíamos, mas porque era fã da Madredeus e da Mariza. Ou das trovoadas que apanhámos, algumas dignas de furacões ou mesmo das cascatas de Plitvice cuja água caia por todo lado e até do céu. Esperava mais!

Esperava um país mais a leste (que só encontrei na Bósnia), mais diferente e menos explorado. Mas vim cheio de vontade de partir outra vez... Para mais longe! Mais longe física e culturalmente. Onde o choque seja maior mas mais enriquecedor. Onde sejamos estranhos e não mais uns turistas. Onde possa conviver mais com a população em vez de esperar horas para meter gasolina.

Para o ano há mais!

Krka - Fotografia de Rui Gonçalves Dubrovnik - Fotografias de Rui Gonçalves e Cláudia Fermandes


Índice: Página I2 Col. 1