QUINTA-FEIRA,
06 DE NOVEMBRO DE 2003 |
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L9 |
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The Fillmore, 22 de Julho de 2000
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Entrámos antes do concerto começar. A sala
estava composta de seres muitos estranhos desde mongos a
grunhos havia de tudo. Um deles de crista e suiças
azuis passeava-se com uma namorada vestida e pintada de geisha.
Pareciam que iam ambos morrer ali de fome. Pareciam que tinham
chegado do Biafra.
Depois passeavam-se pela sala um monte de punks e darks
que ainda sonhavam com os Einstürzende Neubauten do
início dos anos 80. Mas a música dele evoluiu...
Alguns fans é que não.
A dada altura as luzes apagaram-se e entrou um vulto, aparentemente
despenteado, para o centro do palco.
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Um foco de luz iluminou-o. Era o Blixa Bargeld. O público
entrou em delírio. Ele não se mexeu. Com o tempo
o público foi-se calando e o Blixa agarrou num maço
de cigarros, tirou um, colocou-o na boca e acendeu-o. Inalou uma
grande passa e deitou fora o fumo com os lábios encostados
ao microfone. Criou-se uma cortina de fumo em frente à cara
dele.
Parecia que o Blixa estava disposto a provocar. Como sabem é proibido
fumar em espaços fechados na Califórnia, mas, isso
pouco interessava a quem estava em palco. Aliás, mesmo fora
dele, porque viam-se muitos isqueiros a acender no escuro da sala
e na sua maioria não eram para acender, propriamente, cigarros.
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Mas, se a intenção do Blixa era provocar,
não percebi, porque não era só isso
que ele queria fazer com o cigarro, porque voltou a inalar
e a largar o fumo em grandes bufaradas contra o microfone,
de uma maneira ritmada, mas lenta, criando um som que serviu
de introdução ao primeiro tema da noite. "Silence
is Sexy" foi o primeiro tema e posso-vos dizer que não
podia ter sido mais bem escolhido.
"Silence is Sexy, just your silence is not sexy at
all" entre inalações e bufaradas de fumo
de cigarro que marcavam o ritmo lento da música, marcaram
o início de um grandioso concerto. Talvez o melhor
que eu vi por aqui e um dos melhores da minha vida. Pelo
menos um dos maiores
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porque só terminou 2h40m depois com uma versão super
longa de 20 minutos do Tabula Rasa, suponho eu.
Começou em silêncio e acabou em verdadeira apocalipse
sonora. Tudo aquilo que os punks esperavam, tiveram que esperar
quase três horas para ouvir. Mas, pelo meio pode-se ver em
palco um desfilar de "instrumentos" bizarros e engenhosos,
alguns deles demasiados pesados e elaborados para o tempo que tocaram,
mas, a necessidade de criar sons novos e dar um aspecto visual
aos sons que se ouvem num disco, fez com que alguma máquinas
dantescas estivessem em palco. Um "xilofone", parecido
com aqueles que têm as caixas música, feito com pequenas
placas de metal colocadas de forma radial num cilindro com cerca
de um metro e que rodava, era tocado com baguetas de bateria, provocando
um som continuo de um motor acompanhado por um ritmo de metal que é quase
impossível descrever pela sua especificidade. A máquina
era muito perigosa. Imaginem uma série de pontas metálicas
a rodarem e um tipo a bater-lhes com as baguetas... Imagino se
lhe apanhava uma mão.
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Outra máquina era um tipo relógio de pé,
cujos ponteiros ao rodarem batiam em caixas metálicas
com diferentes sons, nos quartos de hora a um ritmo fixo,
fazendo com que se tivesse uma base ritmada contínua
para uma das músicas. Além disso tinha umas
pequenas cornetas de som que aumentavam o som.
Mas para além das máquinas dantescas foram
tocados em palco coisas como um tubo de vinilo com cordas
em arco, latas de metal de diferentes tamanho, chapas metálicas,
tubos metálicos de canalização e tubos
de caleiras plásticos. Mas, também houve espaço
para alguns instrumentos tradicionais, e ouviu-se um baixo,
uma guitarra e um sintetizador... Mas, não necessariamente
tocados de uma forma tradicional.
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O Blixa ainda se fez acompanhar de megafone,
mas o melhor "instrumento" que o vi usar foi um compressor
de ar. Sim! Um normal compressor usado para encher pneus. Imaginem
alguém vestido de fato sem camisa, de tronco nú sob
o colete e com um tubo vermelho em espiral a fazer sons e ritmos
com o ar que de lá saíia. Usando a boca, os dedos e
o microfone como paredes para criar sons ritmados apartir do ar comprimido.
Espectacular!
Mas, para quem era tão dark e alternativo há cerca
de 15 anos atrás, o Blixa anda muito bem disposto e até diz
umas piadas. Como guitarrista dos Bad Seeds do Nick Cave só o
vi ter alguma intervenção em alguns temas, como uma
vez no Porto em que ele cantou a parte da Kilye Minogue do "Where
the Wild Roses Grow" e que só se ria entre as intervenções.
Mas, na maioria das vezes tem uma presença apagada e discreta.
Pois ali ele foi tudo menos discreto e apagado e passou a noite
toda a mandar piadas. Aliás a banda foi apresentada como
sendo um grupo de médicos especialistas em Nevoeiroterapia
com barulho, a uma alusão ao bom tempo que faz em São
Francisco e ao rótulo que a banda tem.
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A dada altura tocaram um tema todos sentados no chão
o que dava a entender que era o fim, mas que ainda deu para
mais quase 40 minutos, 20 dos quais em verdadeira Barulhoterapia
industrial. Porém, em quase todo o concerto a música
foi bastante calma e com ritmos certos e até dançáveis,
dando sinais que os Einstürzende Neubauten andam a ouvir
música de dança... Mas de qualidade. Só houve
um momento em que quase conseguiram expulsar toda a gente da
sala ou arrebentar com os tímpanos do pessoal, quando
mantiveram um feedback altissimo durante quase um minuto. O
público já não sabia bem o que fazer,
mesmo com os ouvidos tapados e quando se mexia a cabeça
parecia que o feedback mudava de tom e parecia que os tímpanos
iam estoirar.
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Até que veio o silêncio
sexy. Saímos de lá todos
rotos.
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Com.Certos: Página
L1 Col. 1 |
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