QUARTA-FEIRA,
03 DE DEZEMBRO DE 2003 |
|
L8 |
|
|
The Great American Music Hall, 24 de Junho de 2000
|
Quando entrei no The Great American Music Hall, fiquei
logo chateado. Então, não é que
me ficaram com o bilhete. Eu que guardo religiosamente
todos os bilhetes de concertos a que vou. Embora aqui
os bilhetes sejam uma treta, pois são iguais aos
bilhetes do cinema e não têm nada de especial...
Mas, mesmo assim gosto de os guardar e tenho direito
a fazê-lo. Mas, pronto, não ia bater no
porteiro por causa disso e não ia deixar de ver
o concerto.
A sala é linda. Mesmo! Parece um teatro e eventualmente
já o foi. O trabalhado do telhado e dos balcões
faz lembrar algumas coisas do São Carlos ou do Sá da
Bandeira, o que aliás tem coisas em comum, pois
o TGAMH já foi um
|
|
|
bordel. Porém, esta sala é a mais pequena de
todas as que fui, o que dá um ar acolhedor e bastante
agradável ao ambiente. Uma coisa boa nos concertos aqui é que
nunca se vendem bilhetes a mais e a sala apesar de esgotada
estava bastante agradável e havia espaço para
passear e apreciar as belezas da sala. Vou ver se levo uma
câmara para a próxima, porque pelo que vejo toda
a gente faz isso, por aqui.
Entra-se directamente para a sala de concertos, não
há um corredor ou mesmo uma cortina que tape a sala
do exterior. Apenas se sobe umas pequenas escadas e está-se
de frente para o palco e da rua vê-se o concerto. A sala
deve ter cerca de 50 metros de profundidade, desde a porta
ao palco e em cada lado existem uns balcões género
mezanino que são de uma beleza extraordinária
e que estão assentes numas colunas de mármore.
O chão é de madeira e brilhava como se de um
espelho se tratasse. E ao centro da sala um candeeiro dá a
luz suficiente para criar a atmosfera perfeita para se ver
uma banda como os Eels, ou outra. Nas paredes haviam espelhos
que me fizeram lembrar o lindo Café Magestic... Fiquei
maravilhado! Voltarei lá em breve com a Cláudia,
para lhe mostrar a beleza da sala. Vale a pena! O pessoal estava todo sentado no chão à espera
da primeira parte, quando entrei. Sentei-me e aguardei também.
Fiquei a cerca de duas filas do palco que estava a pouco mais
de um metro de altura do chão e que dava um ar de proximidade
com o público extraordinário. Já fui a
muitos concertos, mas estes concertos de bandas menos conhecidas
e em salas pequenas são os melhores. Cada vez que vou
a um concerto destes, lembro-me dos tempos em que comecei a
sair à noite no Porto, onde cresci, e havia uma série
de bares pequenos com bandas ao vivo, principalmente na Ribeira.
Nessa altura haviam dezenas de bandas de garagem em Portugal
e o rock estava a dar a sua segunda explosão. Ainda
me lembro de estar aos saltos no micro-palco do Luis Armastrondo
na Ribeira, com uns tipos desconhecidos que pareciam os Pogues
portugueses e que faziam de qualquer concerto uma festa e que
se chamavam Sitiados.
Ali a sala era um bocado maior e o palco não era tão
pequeno, mas com a parafernália de instrumentos que o
povoavam parecia bastante pequeno. À primeira vista era
possível descortinar um contrabaixo, um piano género
saloon, uma ou duas guitarras, dois violinos, uns saxofones de
vários tamanhos, ferrinhos, bateria, tímpanos e
um xilofone. Mas, durante o concerto passaram por ali, ainda
além desses, marambas, um baixo, um banjo, um pífaro,
uma flauta transversal, um trombone, uma trompete, um clarinete
e umas duas guitarras acústicas e de diferentes formas.
Era impressionante ver a quantidade de instrumentos que cada
um dos intervenientes tocava.
|
|
Mas, já estou a pôr a carroça à frente
dos bois, porque ainda não entrou o responsável
pela primeira parte.
A dada altura apagaram as luzes e anunciaram no sistema
de som, que devido a um acidente de carrinha, a banda
que iria fazer a primeira parte, não o poderia
fazer. A tal banda imaginária, de seu nome Baby
Rappers (violadores de criancinhas), tinha morrido toda
num terrível acidente com a carrinha da banda
e quem iria preencher o seu lugar era um dos roadies
dos Eels, de seu nome Spyder.
Afinal a treta de que ele ia fazer a primeira parte
era mesmo verdade. Entrou em palco com uma guitarra eléctrica
e
|
|
disse que os próximos vinte minutos eram dedicados à sua
música e a algumas histórias da sua vida, de
quatro anos na estrada com os Eels. A música era normaleca.
Género cantor popular tradicional americano, misturado
com country e rock. Nem sei bem do que falava mas era basicamente
de amores não correspondidos.
Ao fim de quase um quarto de hora, parou, arrumou a guitarra
e disse que ainda tinha cerca de quatro minutos, para nos contar
umas histórias do Mr. E (vocalista e mentor dos Eels)
e companhia. Avisou que as histórias mais interessantes
e que metiam animais e sexo, não podiam ser contadas
em frente aquela audiência. E, quando se preparava para
contar a primeira história, tocou o telemóvel...
Era o Mr. E a dizer que estava na hora de largar o palco e
dar a vez aos Eels. Uma paródia muito divertida, que
continuou durante o concerto todo.
|
O concerto começou com a entrada em palco do
Butch, o baterista da banda, que estava vestido de freira,
com chapéu e cruz ao peito. Começou por
tocar tímpanos, enquanto o resto da banda entrava
em palco. Uma tipa, que depois o Mr. E anunciou como
sendo a Lisa Germano, uma importante personagem do universo
4AD nos últimos anos, entrou com uma vestimenta
de renda preta, composta por uns calções
e uma camisa de folhos, e tocou quase uma dezena de instrumentos,
com mais predominância pelos violinos e ainda cantou.
Os membros dos instrumentos de sopro entraram, um vestido
com uma batina branca até aos pés e um
turbante dourado e o outro de fato de cerimónia
com cauda e tudo. O baixista e contra-baixista, vinha
vestido à músico de saloon com colete e
botas à cowboy.
|
|
|
Começaram com uma versão
instrumental do "Novacaine for the soul", em que
utilizaram quase todos os instrumentos que estavam em palco
e que só era perceptível na melodia da guitarra
e na parte em que o Butch gritava "Before I sputter out".
Durou quase uns dez minutos, e no fim da mesma, entrou em palco
o Mr. E, de braço dado ao roadie Spyder, como se fosse
cego.
O concerto durou cerca de duas horas, e passaram por quase
o último álbum todo, que eu ainda não
conheço. Mas, ainda fizeram umas incursões ao
primeiro "Beautiful Freak" e que fizeram as delícias
do público presente. O Mr. E contava umas piadas de
vez em quando, entre as músicas ou dizia uma graçolas,
como quando apresentou a banda, e anunciou que o saxofonista
tinha acabado o curso de não-sei-o-quê, naquele
dia e que tinha a família entre o público, e
dirigindo-se ao filho dele diz para ele ter esperança
que o pai, um dia, ia deixar as drogas e que iria desempenhar
as suas funções de pai condignamente.
|
|
Ainda tivemos direito a dois encores. E cada vez que o
Mr. E saia ou entrava do palco lá ia o Spyder dar-lhe
o braço e acompanhá-lo aos bastidores.
Num deles, quando estavam a tocar uma música que
eu não conhecia, e que tinha um ritmo bastante forte,
o Butch que estava na bateria e fazia a segunda voz, ficou
subitamente a tocar sozinho, quando o Mr. E o resto da
banda pararam de tocar surpresos com os berros que ele
dava. Ele, supostamente fez que não deu conta e
ainda deu mais dois berros antes de parar e reparar que
estava a tocar sozinho e estavam todos a olhar para ele.
Mais um momento hilariante.
|
|
Depois houve uma parte que supostamente
foi uma piada, mas que tem algum fundo de verdade. O Mr. E
disse que se recorda tristemente de todos os concertos que
deu em São Francisco, porque no dia seguinte ao primeiro,
a irmã dele morreu e no dia seguinte ao segundo, morreu
a mãe. E, agora tinha sido acidente dos Baby Rappers...
Mas a verdade é que a irmã se suicidou há uns
dois anos e a mãe morreu no ano passado, o que influenciou
bastante os últimos dois discos da banda, mas que não
fez com que todo o concerto fosse um verdadeiro divertimento
musical e cómico.
Ainda contou uma história de uma entrevista em Inglaterra
em que lhe pediram para apontar o maior sucesso da banda que
tivesse saído em single. E, ele apontou um tema que
nunca tinha sido editado em single, mas que para ele era o
maior sucesso deles... E assim, tocaram o maior sucesso que
não foi single... Ah! Os tais ingleses passaram a música
convencidos que era o single mais vendido da banda!
Quando o concerto acabou já estava a ficar cansado,
pois as mazelas da noite anterior ainda estavam presentes.
Mas o caminho até casa era curto... Era só atravessar
a rua.
Ah! Devolveram os bilhetes à saída... Põem
os bilhetes numa taça e cada um leva o que lhe apetecer,
pois são todos iguais. Fiquei mais satisfeito.
E fui dormir, com os blues electrónicos dos Eels nos
ouvidos...
N.R.: Spyder o road manager e responsável pela primeira
parte do concerto morreu dois meses depois de ataque cardíaco.
|
Com.Certos: Página
L1 Col. 1 |
|