C58 TERÇA-FEIRA, 4 DE ABRIL DE 2000
Street Car em Castro - Fotografia de Rui Gonçalves

Sábado, 1 de Abril de 2000

Apesar do acordar violento a meio da noite e da luz da manhã, acordei muito bem disposto. Estava um dia magnífico e não havia um minuto a perder.

Saí cedo, porque queria aproveitar o dia para fazer algumas compras para a casa. Nada de especial, mas queria comprar um cobertor ou coisa parecida, para ver se devolvia os sacos-cama que ando a usar como cobertores, ao Singh.

Tomei o pequeno-almoço no Mac de Powell, e rumei à Macy's. Não vi nada de especial, ainda por cima eram feios e caríssimos. Desisti de procurar e fui-me embora dali...

Telefonei à Cláudia para saber novidades de casa e ela estava a acabar de ver o Benfica-Porto, que acho que foi uma vergonha de um jogo de futebol, mas que deu a vitória ao Benfica, ficando assim o caminho mais aberto para que o Sporting seja CAMPEÃO. Não acredito que o meu Sporting vai ser campeão ao fim de 17 anos e eu estou aqui... Eu nem vejo futebol, mas estava capaz de ir a Alvalade ver o último jogo.

Resolvi ir ver umas lojas de Banda Desenhada que ficam perto da Ocean Beach, ali para os lados de Noriega com a 25ª. Digamos que é do outro lado da cidade junto ao Pacífico. Apanhei o 71 em Market e depois de quase 40 minutos de viagem turística pela cidade, vi o mar ao fundo da rua.

Estava uma tarde de verão. A temperatura rondava os 30 graus centígrados, convém dizer que estávamos nos 90 graus fahrenheit. Quando vi o mar, nem pensei mais em banda desenhada, nem em mais nada... Saí na última paragem antes do mar...

Entrei na praia. Estava mais fresco e havia um nevoeiro pouco denso no ar, mas estava-se bem... Não fosse a praia estar um bocado suja, aliás havia óleo na areia e acho que tinha dormido um bocadinho ali deitado. Em vez disso, meti os pés na água... Porra!!! Que a água é gelada! Mal meti os pés na água, parecia que me comiam os pés e não eram tubarões.

Passeei junto à água durante alguns minutos. E veio-me bater nos pés uma concha esquisita, com uma forma parecida com a folha de marijuana nas costas. Não sei que seria, mas também haviam bastantes alforrecas, ou coisas parecidas e também gelatinosas, na areia da praia.

Haviam também outros seres, também gelatinosos, que jogavam futebol na praia e que falavam português do brasil... Estive mesmo para dizer "Boa Tarde" quando um deles passou a dizer asneiras alto, a pensar que ninguém o percebia. O género de coisa que nós também fazemos, por isso não disse nada.

Mas tive que me ir embora, porque o bilhete do autocarro só durava mais meia hora e eu tinha combinado me encontrar com a RM&P e a Ana em Castro para irmos beber um copo numa esplanada.

Quando cheguei a Castro já estava a suar. Depois de estar habituado ao fresco da praia, o calor da cidade parecia ter aumentado um bocado.

A fauna estava no seu auge. Os meninos andavam todos de tronco nu, a mostrarem as suas lindas tatuagens e os músculos. Quase nenhum tem pelos! A loja de depilação a laser lá da esquina deve facturar largo...

Tínhamos combinado à porta do teatro de Castro, que é um dos monumentos da cidade. Tens uns azulejos parecidos com muitos que nós em Portugal usamos nas casas de banho antigas, com vasos e padrões geométricos. Mas gostei de ver azulejos, porque já não via nada assim há cerca de três meses.

É verdade esqueci-me de vos dizer que fazia nesse dia uma semana que tinham passado dois meses desde que fui viver com o Singh. Confusos? Peguem numa folha e numa caneta e tentem decifrar... Se conseguirem, avisem.

Mas estar em Castro num dia de calor parado à porta do teatro mais de 10 minutos, é engate de certeza... Todos os meninos que passavam olhavam-me de cima a baixo e eu comecei a ficar nervoso. Aproveitei para dar uma volta e fui comer qualquer coisa, que não tinha almoçado e eram quase 3h da tarde.

É impressionante ver tanto gay junto. Também existem algumas lésbicas, mas a proporção é de 1 para 20. E a proporção de heterossexuais é de 1 para 50 homossexuais. Eu já disse que aquilo é como ir ao jardim zoológico, mas aí existem redes e os animais não nos atacam, nem cobiçam... Em Castro... Qualquer macho se deve sentir comido com os olhos.

Quando voltei, já elas tinham chegado e estavam a ficar tão nervosas como eu. A Mónica abraçou-me como que a dar entender que nós aqui somos hetero... E fomos ver as esquinas mais homossexuais do mundo... Castro com a 18ª... Onde decorria a eleição do rei do Lesbians, Gay e bissexuals Pride Parade, o maior acontecimento de rua na cidade e que acho que é em Maio ou Junho...

Mas a vontade de fugir dali era maior que a curiosidade e fomos para uma esplanada beber uma bebida refrescante. Castro apesar do aparato gay é uma zona calma e é a melhor zona de esplanadas da cidade. As esplanadas servem para os meninos se mostrarem e para verem quem passa. Então é curioso ver um grupo só de homens numa esplanada num primeiro andar a ver quem passa. É que nem sequer estão bem numa esplanada a conversar, porque estão simplesmente virados para a rua.

Mas isso já não nos afectava... Estávamos nós na conversa numa esplanada fresquinha a beber chá e café gelado, onde ficámos quase o resto da tarde toda. É tão bom não fazer nada...

A Mónica e a Ana foram-se, porque se tinham que arranjar para ir a uma festa de russos (A Ana é meia russa...), a Patrícia também foi à vida dela e eu e a Rita demos mais uma voltita por ali, antes de irmos para casa.

Quando voltávamos, o trólei à frente do nosso avariou em plena Market e nós aproveitámos para ir ver umas coisas numas lojas ali perto. Ela comprou uma bola de Volley e eu um cobertor em forro polar...

Quando chegámos a casa ainda a Mónica e a Ana lá estavam, mas por pouco tempo, porque os amigos russos vieram-nas buscar logo a seguir.

Nós jantámos umas pizzas e as Helenas apareceram por lá. O meu colega Ben telefonou a convidar para aparecermos num bar em Haight com Fillmore, mas... A luz da zona da casa delas falhou e nós estávamos no 11º andar... Ficámos assim até cerca das 11h, na conversa à luz das velas. Rimo-nos das histórias que nos aconteceram desde que nos conhecemos e das primeiras impressões que tivemos daqueles que agora convivem diariamente connosco, aqui em San Francisco.

Quando veio a luz, já era tarde (aqui) para ir a algum lado longe, pelo que fomos tomar uma cervejinha ao bar da rua, que já é conhecido pelo bar do Diogo, uma vez que é ao lado de casa dele e porque é a segunda casa dele.

Mas o sono veio depressa e fomo-nos deitar...

A Mónica chegou tarde e novamente resolveu acordar-me só porque tinha aturado uns russos a falarem russo a noite toda e porque nós jantámos pizza e ela não. Invejosa. Àquela hora já o dia dos enganos tinha acabado...



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