Segunda-feira, 20 de Março de 2000
Domingo à noite tomei uma resolução.
Depois de vos ter escrito a última crónica, a Cláudia
apareceu pelo ICQ. Apesar de serem 6h da manhã em Portugal,
ela não conseguia dormir mais e estivemos um bocado à conversa. "O
que é que o Cu tem a ver com as calças?" perguntam
vocês. Pois bem, depois daquela conversa fiquei com vontade
de mudar o meu modus operandus no trabalho, porque tenho de ter
uma atitude mais positiva com a vida e além disso se tenho
que ficar por cá mais 6 meses e meio, ou menos que aproveite
bem o tempo e aprenda alguma coisa com estes americanos. Por isso,
passei a acordar mais cedo e a ir mais cedo para o trabalho. E
passei a ir para o trabalho com outra atitude e com outra disposição.
Acordei com uma disposição diferente
e com uma vontade enorme de ver alguma coisa feita. Se fosse alentejano
(que sou meio) teria me sentado à espera que a vontade passasse,
mas, o meu lado transmontano ou duriense não me deixou.
Tomei um banho, fiz a barba, montei na Vaynessa
e fui para o escritório. Fui o primeiro a chegar na minha
ala da empresa. Embora eu pertença à área
de negócios estritamente da EAI, estou na zona do pessoal
que herdou a área de negócios da Sense8, quando esta
empresa foi adquirida pela EAI, há cerca de dois anos. Os
tipos da área Sense8 costumam entrar mais tarde que os da área
EAI, mas também saem mais tarde... E acho que funcionam muito
mais como um grupo. São uns bacanos!
Agarrei-me ao computador e consegui detectar 7 bugs
do tamanho de uma centopeia em cerca de duas horas de trabalho.
Já lá vão 36 bugs documentados até ao
momento.
O computador onde estive a trabalhar chama-se Zorch
e é um Silicon Graphics do tempo da tartaruga. Está na
sala do Floyd, um negro canadiano que tem um tronco muito curto
para o corpo que tem e além disso tem físico de culturista,
pelo que fica com uma forma esquisita. Eu acho que já falei
dele. É o responsável pela parte artística
das aplicações. É ele que faz os modelos 3D,
e para isso usa duas máquinas potentes que estão
simultaneamente ligadas a dois monitores cada uma. Ou seja, tem
um monitor de 21" para cada olho em cada máquina... Só visto!!!
Mas quando aquela máquina, que eu uso, não
chega para as medidas, costumo usar a Vegas, a máquina (também
Silicon Graphcs) que é usada para os testes. Tem um monitor
de 21", para aí 16:9, e ligada a três monitores quadrados
de 5 pés (1,5 m) de lado que fazem a wall de testes. Dentro
em breve, quando estiver mais habituado à aplicação
vou começar a fazer uma demo para a aplicação,
com simulações 3D e stereo (óculos 3D e tudo).
Depois convido-vos para verem...
A meio da tarde, resolvi ir dar uma volta de bicicleta
pela zona das barcos-casa em Sausalito. Levei a máquina
fotográfica e andei por ali cerca de uma hora a tirar fotografias. É surpreendente
o que se consegue pôr sobre a água e onde se consegue
viver. Digo-vos que eu era capaz de fazer o mesmo. Deve ser extraordinário
acordar de manhã, olhar pela janela e só ver água... Mas
acho que durante as cheias do El Niño as coisas não
foram tão bonitas. Mas melhor que as minhas palavras para
descrever são as fotografias que vos enviei, mas melhor
ainda é virem cá ver...
Saí cerca da 19h, porque comecei a digitalizar
as fotos que vos tenho enviado a semana toda. E ainda joguei uns
matrecos com o gordo de cabelo azul, o de origem italiana (que
já confirmei que é verdade ou ele não se chamasse
Mike Russo) que anda de meias e com o loiro da barbicha.
E quem acorda cedo, quer cama cedo, deitei-me relativamente
cedo. Mas, o sono demorou a vir.
Terça-feira, 21 de Março de
2000
Apesar de manter a disposição e a
vontade de mudar o mundo, acordar ainda não é muito
fácil. Mas, comparando com a semana passada, até parece
que há bichos que me tiram da cama.
Tive a ler umas coisas acerca da aplicação,
no escritório e, continuei com o testa, rebenta e arranca
VisConcept.
Cerca das 11h45m, liguei a Rádio Moliceiro,
via Internet e estive a ouvir o FCP, contra o qualquer-coisa-parecida-com-herta
de Berlim. O Porto lá ganhou e o Barcelona para ajudar foi
ganhar ao Sparta de Praga. Acho que é bom para Portugal.
Aliás hoje o Ken perguntou-me se eu era do Porto, porque
viu na BBC que tinha ganho.
Mas as saudades de casa são assim. Eu que
nunca vejo futebol e pouco ligo, dou-me ao luxo de andar a ouvir
relatos...
O dia passou, como qualquer dia de trabalho. Ao
fim da tarde, mais umas fotografias digitalizadas e enviadas.
Quarta-feira, 22 de Março de 2000
Os dois dias anteriores foram de certeza melhores
que este, no que se refere a disposição e humor.
Decididamente não estava nos meus dias.
Não dormi muito bem e estive constantemente
a acordar com barulhos durante a noite. Devem imaginar com que
cara é que eu cheguei ao escritório. Quando tomei
café, parecia que o sentia percorrer-me as veias e a chegar
onde era preciso. Mas, a absorção da droga era imediata
e a dependência obrigava-me a procurar o dealer (a máquina
do café) de hora a hora... Ao fim do dia, não queria
ouvir falar em água tingida de preto, nem de nada parecido.
O Jesse que se dizia interessado em ir ver a primeira
prova da Taça do Mundo de BTT (que já não
se chama Grundig, nem Diesel, mas sim Tissot) aqui em Napa, tem
o puto para educar e não pode ir. Mudei de estratégia
e tentei arranjar uma maneira de chegar a Napa pelos meus próprios
meios. Não convém depender de outros quando queremos
mesmo fazer algo, porque se não corre-se o risco de ficarmos
decepcionados com as pessoas, mesmo que elas não tenham
culpa. Foi o que aconteceu!!!
Saí à hora de almoço e fui
espairecer até Mill Valley. Peguei na Vaynessa e fomos dar
uma volta. Fui ao banco ver se o ICEP já me tinha pago,
mas até esses me tinham abandonado.
Subi a Miller Av. em Mill Valley até ao parque.
Andei à procura do Gravity Car, mas não encontrei.
Há muitos anos havia uma pousada ou coisa parecida no cimo
do monte Tamalpais, onde as pessoas iam ao fim de semana, beber
uns copos, mesmo durante a época da lei seca. Havia um comboio
que os levava até lá cima e um carro de gravidade
que os trazia para baixo. Tudo isto acabou há cerca de 50
anos.
Não vi o Gravity Car, mas passeei por entre
sequóias relativamente novas, mas com a altura de alguns
eucaliptos velhos. Imagino como deve ser em Muir Woods ou Sequóia
Valley. Pelos vistos esta zona era toda assim, até os americanos
terem devastado tudo para aproveitarem a madeira... Agora só têm
que esperar uma centena de anos para terem árvores daquelas
com porte de jeito.
Almocei no Jack in a Box, um clone do MacDonalds.
Devia de ser o único não-mexicano no estabelecimento.
Até a empregada, que ostentava um lindo bigode, digno do
D. Duarte, falava melhor espanhol que ele fala português.
Voltei para o escritório e tive na conversa
com o novo tipo, que entrou para empresa depois de mim. Também
foi ao Tamalpais de BTT no sábado e estava interessado em
ir ver a taça do mundo a Napa. Mas não me convenceu
e eu tratei de saber horários das camionetas e do ferry
para Vallejo (20 km a sul do local do BTT).
Ao fim da tarde, quando voltava para casa, resolvi
subir uma ladeira de terra que me andava atravessada na garganta
e subi El Camino Alto (outra maneira de atravessar de Mill Valley
para Corte Madera). A subida é fixe e fez-me suar um bocadinho,
mas a descida é alucinante. Numa estradinha estreita, entre
casarões e aos ésses, monte abaixo, a Vaynessa parecia
que dançava o tango e se entregava com corpo e alma à emoção
do momento... Até que numa curva, aparece-me um camelo de
carrinha, no meio do caminho de luzes apagadas (estava lusco-fusco,
mas eu trazia luzes) e graças a Deus, eu trago uns travões
decentes na ginga e ela segurou-se. Puxei as estribeiras à Vaynessa
e até chilreou, mas não se passou nada. Acho que
o tipo se assustou mais que eu...
Fui buscar as fotos ao supermercado e o tipo que
me atendeu perguntou-me se eu não tinha um irmão
que já trabalhou lá. É que pelos vistos houve
um Goncalves por lá, chamado Mike. Eu já vi que existem
alguns portugueses pela zona. No sábado à noite vimos
(eu, a Rita e a Mónica) um boneco num jardim que parecia
um alentejano, de colete e de garrafão, mas não dava
para ver quem é que vivia na casa. E ontem vi uma placa à porta
de uma casa que dizia "De Mellos", acham que serão de origem
portuguesa?
Peguei numa cerveja e estive a jantar enquanto via
o Beverly Hills 90210 (nine-oh-two-one-oh por estes lados). Como
as coisas mudaram na série desde os tempos da escola... Já há sexo,
drogas e rock'n'roll. Eu não acredito, mas já há casados
com filhos e trocas de namorados que vocês nem imaginam.
E está tudo mais velho... Olhando bem, eu também envelheci
e estou casado.
Quinta-feira, 23 de Março de 2000
Novamente acordei cedo. Mas mais bem disposto que
ontem, mas também "falar" com a Cláudia no ICQ logo
pela manhã, ajuda.
Mal cheguei ao escritório, um colega pediu-me
ajuda para carregar umas coisas para o primeiro andar. Conversa
vai, conversa vem, sobre filmes e sobre a noite passada, e de um
dos sacos cai um DVD de um filme pornográfico. O meu colega
(que omito o nome para manter o anonimato da personagem) ficou
atrapalhado, mas levou uma tanga, minha, digna de um puto que é apanhado
a comer da lata das bolachas. É divertido ver como estes
tipos são e como ficam nestas alturas. Parecem putos!!!
Gostei da parte em que me diz que é adulto e que ninguém
tem nada a ver com o que ele vê e depois diz que pior era
se fossem criancinhas de 12 anos. Ainda se enterrou mais.
Comecei a mexer em coisas mais complicadas no VisConcept.
Coisas como materiais e texturas de superfícies 3D. Luzes
reflectidas, difundidas e afins. Muito interessante, faz-me lembrar
os velhos tempos de física dos meios contínuos na
Faculdade de Ciências do Porto.
De resto não se passou nada de especial,
até à hora de vir embora.
No caminho de casa, algures quando começo
a descer para Corte Madera, estava uma bicicleta abandonada há alguns
dias. Parei para ver em que estado estava e se havia remédio.
Assustei-me com uns galhos partidos e deixei a bicicleta lá.
Não sabia se estava mesmo abandonada, além disso
havia uma vedação ali ao lado, que separava o sítio
onde ela estava e o caminho normal das bicicletas e não
podia trazer duas bicicletas ao mesmo tempo.
Cheguei a casa, pousei a Vaynessa e voltei atrás
a buscar a outra. Andava e tudo. Os pneus ainda estão cheios. É uma
Schwinn de estrada, roda 28", com um sistema de 10 velocidades
Suntur, com mais de dez anos. Digamos que já teve melhores
dias, mas que vai ter alguns ainda bons, podem crer que vai. Pessoal
podem vir que eu já tenho uma bicicleta para vocês
andarem e tudo.
Jantei e vim para a cama escrever-vos. Estou aqui
a escrever a Crónica há mais de duas horas, porque
no entretanto tive na conversa com a Joaninha, que fez anos na
terça e que amanhã nos recebe em sua casa para comemorar
a passagem do quarto de século. Eu não devia de dizer
a idade da menina, mas pronto... Já está! Já está!
Logo a seguir à Joana ter desligado, ligou-se
a Cláudia que estava a acordar para mais um dia de trabalho. É engraçado
estas diferenças horárias que fazem com que eu me
esteja a deitar e ela a acordar. Ela amanhã e eu hoje. Confuso? |